por Dmitry Sedov, trad: btpsilveira, março
de 2017
São espantosas as coisas que os políticos europeus são obrigados a ouvir
de Recep Tayyip Erdogan! Depois de 14 anos de sua administração, o carismático
líder turco foi anotando uma lista enorme de pecados cometidos pela União
Europeia. Prometeu e cumpriu encontrar sempre um jeitinho de fazê-la pagar o
preço devido a cada um deles.
Os políticos europeus nem se
recuperaram ainda dos traumas espirituais que Erdogan lhes infligiu com seus
insultos no ano passado. Erdogan foi direto ao ponto ao espicaçar a condenação
dos líderes europeus à dura repressão turca na sequência da tentativa de golpe
de 2016 em Ancara. Além disso, a Alemanha apanhou como vaca na horta por causa
da resolução do Bundestag reconhecendo o genocídio armênio no início do século
20.
Agora,
para acrescentar ódio ao escárnio, surge mais uma bomba. Desta vez, o
presidente turco se superou, colocando mais uma vez a Alemanha na sua alça de
mira. Os líderes alemães estão sendo acusados de agir como nazistas!
No
último domingo, em um comício onde se reuniram milhares de pessoas em Istambul,
ele pontificou: “quero conscientizar o mundo inteiro! Alemanha, você não age
como uma democracia, e as suas atitudes não diferem em nada daquelas que os
nazistas praticavam antigamente. Você quer dar lições de democracia, mas não
deixa que nossos ministros falem livremente no país. Queremos discutir as ações
da Alemanha em um Fórum Internacional onde envergonharemos você aos olhos do
mundo inteiro. Não queremos mais nazistas governando a Alemanha. Pensávamos que
isso era coisa do passado, mas parece que não é. Irei para a Alemanha na hora
que quiser e se vocês não quiserem deixar que eu entre, farei o mundo inteiro
se levantar contra vocês!”
O que
detonou essa agitação toda foi o referendo turco marcado para 16 de abril, para
a transição de um regime parlamentar para o presidencial. A ideia desse
referendo não tem tanto apoio assim na Turquia, onde se pensa que Erdogan quer
mesmo é consolidar seu próprio poder.
A
considerável diáspora turca tem importância crucial neste período que antecede
o referendo. Eles mantêm laços bem próximos com os seus parentes da Turquia e
alimentam a oposição no país. Cerca de 1.5 milhões de turcos étnicos estão
estre os eleitores que exercerão direito de voto no referendo. Existem cerca de
6 milhões de turcos étnicos com variadas posições jurídicas a viver na União
Europeia que, como outros muçulmanos, em grande parte não foram assimilados. Uma
geração de “turcos europeus” cresceu dentro do continente e entrou na política.
Na Alemanha, um dos líderes do Partido Verde é Cem Ozdemir, filho de imigrantes
turcos, e outros políticos populares da mesma origem estão fazendo nome na política
alemã: são eles: Vural Oger, membro do SPD; Aygul Ozkan, ex ministra de
Política Social, Mulheres, Família, Saúde e Integração no Estado da Baixa
Saxônia; além de parlamentares do Partido da Esquerda: Hakki Keskin, Huseyin
Kenan Aydin, Hakan Tas, Sevim Dagleden e outros. No Bundestag, já existe um
total de 11 deputados de descendência turca.
Fica fácil entender a vontade
de Erdogan de conquistar os votos da diáspora turca na Europa – e assim, subitamente,
os ministros turcos estão aparecendo amiúde nos países europeus, conclamando a
população turca local a votar “sim” na reforma constitucional proposta.
No
entanto, os europeus não estão assim tão entusiasmados com as mudanças
constitucionais que surgirão do referendo e vivem demonstrando preocupação com
o quadro dos direitos humanos na Turquia. O Chanceler austríaco Christian Kern pressiona
por uma proibição em nível continental da campanha dos ministros turcos,
enquanto a Áustria e a Holanda já declararam que a motivação dessas visitas é
indesejável. Na Alemanha os governos locais decidem se permitem ou não os
discursos de autoridades turcas em público, mas Berlim já tomou medidas para
assegurar o cancelamento de grande número de comícios. “Aqueles que querem
falar aqui... devem respeitar nossas regras” declarou o Ministro de Relações
Exteriores Sigmar Gabriel. “As regras da lei e também as regras da decência.
Além disso, moderação faz parte do respeito mútuo”.
O
Ministro da Justiça turco Bekir Bozdag foi proibido de falar em Baden-Wurttemberg
alegadamente por motivos “de segurança” e um discurso do Ministro da Economia
Nihat Zeybekçi foi proibido em Colônia e Frechen. Tais medidas levaram Erdogan
a uma explosão de indignação, e ele então não hesitou em lançar a acusação de
ressureição do regime nazista na cara da Alemanha.
Até
agora, Angela Merkel respondeu apenas com seu costumeiro silencio, mas membros
de seu partido responderam duramente. Falando ao canal televisivo ARD, o líder
da facção CDU do Parlamento Alemão Volker Kauder afirmou: “é incrível e inaceitável
para um presidente de país membro da OTAN falar dessa maneira sobre outro país
membro, especialmente alguém (o líder de estado), com problemas significativos com
o Estado de Direito em seu próprio país... Se ouvirmos mais declarações desse
tipo mais uma vez, nossa reação será tornar claro que não toleraremos tal coisa
em solo alemão.” E a antiga presidente do CDU, Julia Klockner, falou ao jornal Bild: “O senhor Erdogan está reagindo
como uma criança birrenta que não pode ser contrariada. A comparação com os nazistas
leva seus delírios a novos níveis. Isso é uma vergonha”.
Os
alemães também ficaram ultrajados por outras duas declarações de Erdogan:
quando acusou o correspondente do jornal Die Welt, Deniz Yucel, de ser um agente alemão que representaria o
Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), e quando afirmou que as autoridades da
Alemanha estavam incentivando o terrorismo internacional ao proibir os
discursos de autoridades turcas na Alemanha.
Além
disso, o Ministro de Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Çavuşoğlu, disse
que os políticos turcos continuarão sim, a falar em público na Alemanha: “nenhum
de vocês podem nos impedir. Vamos a qualquer lugar onde quisermos para encontrar
com nossos cidadãos.”
Tradicionalmente,
os alemães não toleram esse tipo de comportamento. Ao acusar a Alemanha contemporânea
de Nazismo, Erdogan cobriu o Bundestag – mesmo que apenas figurativamente – de penas
e alcatrão. O ressentimento está crescendo na Alemanha. Os bávaros mais uma vez
tomam a iniciativa de ditar o tom a resposta. “Desaprovo veementemente a
campanha eleitoral turca em solo alemão”, disse Joachim Herrmann, Ministro do
Interior da Baviera.
O
escândalo continua a ferver. A Alemanha inteira recebeu um tapa na cara. Em
público. Goste ou não, Angela Merkel tem que dar uma resposta. Na realidade, há
uma resposta que poderia ser dada. A azeitada máquina de propaganda alemã
poderia ser acionada para responder a Erdogan de forma efetiva, se fosse tomada
a decisão política de acioná-la. Mas dificilmente Merkel tomará esse passo:
afinal de contas, a posição da Turquia na OTAN e a legião de refugiados na
Alemanha são fatos que simplesmente têm que ser encarados. É improvável que
seja dado o sinal para um contra-ataque, o que – em um ano eleitoral – será mais
um golpe duro de relações públicas para Merkel.
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